sábado, 26 de agosto de 2017

A DITADURA DO TEMPO NOVO


No dia seguinte à tragédia de Pedógão já se sabia que tinha sido um raio numa árvore com uma trovoada seca que IPMA confirmou não ter existido. Dois dias depois já se sabia também que tinham falecido devido ao incêndio, 64 pessoas, tendo sido transportadas para hospitais, algumas em estado grave e muito grave, mais de uma centena. Desde aí, o número mágico encravou. Em 38 dias não foi encontrado nos milhares de hectares ardidos mais nenhum corpo nem restos mortais incinerados pelos mais de 1000 graus. Não faleceu nenhum queimado entre os hospitalizados. Nunca os jornalistas se plantaram às portas dos hospitais para uma única reportagem sobre esses sobreviventes. Nem foram à procura de familiares dos estrangeiros nómadas que viviam na região afectada e eclipsaram. Nada. Silêncio. O número 64 nunca mais foi actualizado. Estagnou. Até que uma cidadã que queria levantar um memorial em honra dessas vítimas, iniciativa igual às vítimas de Paris, põe o país e o governo do avesso. É que afinal havia mais gente além das 64…
Isto não é especulação, é um facto que a própria PGR veio confirmar. Ficamos então a saber que há critérios em Portugal para determinar quem fica na lista OFICIALdas vítimas e quem não fica. As vítimas directas e as indirectas. Ou seja, quando um prédio fica em chamas, são  vítimas directas as que sucumbiram literalmente queimadas ou intoxicadas pelos fumos no momento. As que se atiram de uma janela por pânico ou terror, são indirectas porque morreram da queda. Assim, no caso de Pedrógão, gente internada urgentemente por ingestão de fumos que complicam num quadro de doença já existente ou uma senhora que ao fugir das chamas é atropelada, são vítimas indirectas. Curioso no entanto saber que um bombeiro atropelado nesse dia foi DIRECTAMENTE para a lista oficial. Mas estão a tentar dar a volta a quem? A verdade da mentira (mais uma) começa aqui, com a lista oficial. Começou a ficar claro que havia manobras de encobrimento para não apresentar MAIS de 64 mortes. E é isso que é grave.
O Governo e seus acólitos apressaram-se logo a descredibilizar a cidadã que exerceu seu direito de aceder a uma lista que ao ser negada por supostamente estar em segredo de justiça, fez uma por iniciativa própria, acusando-a de ser uma empresária falida. A sério? Um acto de cidadania nobre agora é posto em causa por causa dos currículos profissionais? Portanto se sou mau profissional numa área não posso ser bom pai? Se sou mau marido não posso ser bom governante? É isso? Este esforço de arruinar quem trouxe a lume a polémica da lista é apenas para abafar o fundamental: é que foi por causa dela que se soube que o número não é nem nunca será 64 por muito que se contorcem. 
Isso ficou perfeitamente claro quando: invocaram um segredo de justiça parvo e sem nexo (como se os mortos da lista pudessem interferir na investigação); quando o autarca de Pedrógão acabou por referir que “… não quer dizer que não apareçam uns corpos aqui e ali” (deixando em aberto essa possibilidade); quando Costa diz alto e bom som “está tudo esclarecido” (sem estar coisa nenhuma para encerrar rapidamente o assunto); quando  diz  que ” é um aproveitamento politico lamentável” (para sacudir culpas para outros);   quando ameaçou com um ríspido “espero que tenham aprendido a lição” (lição de quê? que ninguém deve atrever-se a questionar este governo seja no for?); quando diz que a “dimensão da tragédia não se mede pelo número de vítimas” (desvalorizando a tragédia); quando EXIGE desculpas (agora temos de pedir desculpas por exercer cidadania e exigir respostas?) mas nunca foi capaz de assumir e pedir as suas;  quando fala em acusações “parvas”.  Pois é, são tão parvas que as dúvidas existem mesmo porque foi o governo que as criou. Sobretudo quando depois em resposta à lista, juntou a “lei da rolha” aos bombeiros para controlar os acontecimentos futuros. A verdade a que não podem fugir é que se ocultaram  a lista foi porque tinham algo a temer. E não é a primeira vez que escondem coisas. Lembram-se dos documentos que eles proibiram no inquérito da CGD? Ainda há dúvidas?
A propósito veio Marcelo dizer que “em ditadura nunca ninguém percebia bem quais eram os contornos das tragédias porque não havia um Ministério Público autónomo, juízes independentes e comunicação social livre e que em democracia há tudo isto”.
Acontece, que passados 43 anos continuamos a não saber os verdadeiros contornos das tragédias, dos assaltos e dos inquéritos parlamentares. Temos Ministério Público e Juízes “independentes” (onde candidatos condenados por pressão no processo José Socrates fazem parte de listas) que deixam livres como passarinhos “colarinhos brancos” condenados sem cumprir penas, outros que nunca condenam até à prescrição ou que misteriosamente  absolvem. Temos uma comunicação social que se limita a repetir unicamente o que o governo quer que se saiba e que condena os que fazem um jornalismo sério. Temos um governo que recorre à lei da rolha e seus avençados pagos pelo erário público para silenciar e intimidar quem se opõe ao sistema. De facto vivemos numa democracia mas com tiques ditatoriais com uma nova PIDE e lápis azul, sem rosto, nem nomes,  uma entidade que ninguém vê mas sente,  por isso muito mais perigosa.
Porque em ditadura sabemos quem são, como actuam e como nos defender. Em democracia, não.

2 comentários:

  1. bom dia Cristina

    apenas para acrescentar que no meio de tanta floresta queimada, foi encontrada a dita árvore!!!
    horas depois...

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  2. Subscrevo na integra tudo o que disse.
    O país está a saque.
    Parabéns pelo texto

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