segunda-feira, 6 de novembro de 2017

O JUIZ QUE FUNDAMENTA COM A BÍBLIA


Parece que há no Tribunal da Relação do Porto um juiz que negou o provimento ao recurso do Ministério Público para agravamento de pena suspensa para efectiva a um estupor, que se juntou ao amante da mulher para a sequestrar e lhe desferir uma valente tareia com uma moca de pregos, citando a Bíblia e o código penal de 1886! Alegou ainda que estava em causa a honra desse idiota troglodita (como se os monstros das cavernas merecessem tamanho apreço) como atenuante. Bonito!
Não estou nada surpreendida com este acórdão. Nadinha. Se a comunicação social em vez de andar atrás do Marcelo e do Passos fizessem mais trabalho de investigação para denunciar o que de mal se faz neste país para assim o melhorar, teriam descoberto há muito que este caso é apenas um num milhão. E tenho a certeza que, assim como escrutinaram este, se fizessem um levantamento sério às sentenças da nossa justiça, o país entrava em choque.
Infelizmente o Tribunal logo muito cedo passou a ser minha segunda casa devido às imensas adversidades que tive de enfrentar, sozinha. Por isso tenho conhecimento de causa. Aliás, tenho dito com alguma ironia, que se Holywood descobre minha história de vida, fico rica com a trama dramática digna de um Óscar! Não estou a brincar. E foi nessa travessia árdua que dei conta de como funciona a nossa justiça a quem tive de recorrer tantas vezes (e o nosso país no geral) quando precisamos  e sobretudo se  formos mulher. Com apenas 22 anos senti-me humilhada por um juiz que simplesmente referiu que se insistisse com divórcio, faria com que perdesse a guarda da  minha filha alegando que  não tinha condições para a ter porque estava a contrato no ensino e vivia em casa arrendada. Tal e qual. Estávamos em 1990 e pelo que deixou transparecer naquele gabinete para Reconciliação das Partes, não era a favor de mulheres que pediam divórcio. Portanto, ou me  reconciliava ou tinha as consequências. Acreditando na justiça acima de tudo (como eu era ingénua nessa época!) que apontava que à mãe só lhe eram retirados os filhos por falhas graves, segui em frente. E para espanto de toda uma sociedade (que ficou a olhar de canto para mim achando que eu só poderia esconder grandes pecados por ter perdido a guarda para o pai), perdi a minha filha que passei a ver de 15 em 15 dias, ao fim de semana. Nada normal para a época.
Consegui reverter o processo se não passado quase uma década (8 anos) quando resolvo entregar o caso a uma advogada (uma mudança de estratégia minha que até ali só tinha tido advogados) e ela me diz: “Parece que vamos ter sorte. O processo vai ser julgado por uma juíza”, deixando transparecer que isso seria uma mais valia. E foi. Em 1997, e já com 11 anos, minha filha é-me entregue finalmente.
Dito isto, é claro que temos um problema cultural até naqueles que nos julgam. Quando um juiz minimiza uma agressão  à mocada numa mulher que diz ser adúltera, está a dizer que as agressões de violência doméstica, têm atenuantes. Está a defender abertamente as agressões para casos específicos. Vindo de um juiz é gravíssimo porque o recurso à violência é primitivo, bárbaro e cruel. Nada o justifica. NADA. Recorrer a esta argumentação mostra falhas graves de carácter e isso é perigoso.
Porque os juízes são meros seres humanos, tem de haver mecanismos que façam com que a selecção seja feita aos melhores que a sociedade tem. E para isso não basta ter boas notas na faculdade. Tem de haver avaliações aos valores, formação humana,  psicológicos. Além disto há que avaliar o trabalho deles de forma contínua. Verificar as sentenças. Retirar da carreira quem presta mau serviço. Não são umas  pessoas quaisquer. Nem estão num lugar qualquer.  Estes indivíduos julgam outros. Têm uma responsabilidade gigantesca nas mãos. Uma má decisão arruína vidas. Traz dor e sofrimento. Não é para qualquer um. Veja-se o caso do Hugo, o GNR  que  em exercício das suas funções mata acidentalmente o filho de um ladrão em fuga que  tinha levado a criança para um assalto. Quem teve de indemnizar? Quem ficou com a carreira e vida destruídas. O Hugo. Sem falar dos que ajudam políticos a fazer desaparecer provas ou nem sequer levá-los a julgamento ou condená-los… estão a ver?
Quando um juiz assistido por uma mulher juíza impedem o agravamento da sentença a um bárbaro com moca de pregos, amplamente condenado pelos bispos e Amnistia Internacional, ou vemos colarinhos brancos corruptos ou pedófilos sem nunca conhecerem uma cela, não ficam dúvidas que a  nossa justiça anda mesmo muito doente.

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