segunda-feira, 2 de julho de 2018

Os Mistérios de Pedrógão Grande


Os fogos de Pedrógão Grande nunca foram contados com a verdade. Desde o primeiro dia, 17 de Junho de 2017, que o Estado faz uma ginástica acrobática para suprimir factos, suprimir prova, silenciar bombeiros, silenciar INEM, silenciar as vítimas dos fogos. Porquê? O que esconde de tão grave esta tragédia que não pode ser contada exactamente como ocorreu sem invenções de factos alternativos como por exemplo aquele raio  que caiu numa árvore sem trovoada descoberto imediatamente nos dias a seguir pela PJ e já desmentido?
Volvido quase um ano depois da maior tragédia mortal em fogos jamais vista em Portugal, os mistérios adensam-se. À medida que os relatórios técnicos foram saindo, mais dúvidas, mais incertezas vão surgindo. E curiosamente com a complacência da oposição e dos média que pouco ou nada fazem para desmascarar esta manipulação clara do governo. Não é normal.  Estamos em ditadura?
O primeiro mistério começa com o início do fogo. Disseram que o combate foi desigual devido a uma natureza em fúria – o tal downburst – o fenómeno que “inviabilizou” todos os esforços, da seca extrema e do material combustível em muita quantidade que provocou o inferno e que encurralou tanta gente. Mas, esqueceram-se de referir que o alerta foi dado às 14h45 em Escalos Fundeiros por um cidadão, quando o fogo era apenas um pequeno foco e  que às 15h17, antes de abandonar o local, tira a seguinte fotoAqui na imagem vemos um fogo perfeitamente dominável mas nenhum bombeiro a apagá-lo.Esses tinham lá estado. Tinham. Porque abandonaram o local? Porque não se juntaram imediatamente reforços sem sair do terreno? No relatório de 6 de Julho da ANPC, diz que foram despachados para o ataque 3 corpos de bombeiros:  VFCI de Pedrogão Grande, VFCI de Castanheiro de Pera e VFCI de Figueiró dos Vinhos e 1 helicóptero ligeiro ( este chegou às 15.05). Que às 14.54 é recebido o primeiro ponto da situação onde são pedidos mais meios. Dizem que foram accionadas mais viaturas do CBV anteriores e do CBV de Ansião. Que às 14.43 foram 75 operacionais e 22 meios –  1 helicóptero ligeiro, 6 operacionais, 61 bombeiros, 17 viaturas, 2 equipas de sapadores com 6 operacionais, 1 patrulha GNR com 2 militares . Que às 15.02 fora accionada brigada de combate ao CODIS de Castelo Branco (3 veículos com 12 bombeiros) e um Heli-bombardeiro pesado,  Kamov (HESA02), às 15.08. Consegue ver este aparato todo de meios no testemunho e foto tirada no local às 15h17???? Pois. Eu também não. O resto da história já sabemos. O fogo lavrou sem oposição tudo o que apanhou pela frente. E cresceu, cresceu, cresceu até ficar incontrolável.
Depois vem o mistério das mortes. Ao segundo dia, sem se saber do paradeiro dos desaparecidos, sem ter ainda contabilizado todos os feridos, com milhares de hectares queimados ainda por investigar, o Governo já sabia que eram 64.Nem mais um nem menos um. O cronómetro dos óbitos trancou. Foi preciso uma cidadã corajosa não se calar e afirmar haver mais, a partir de uma lista de levantamento de óbitos no terreno – que quiseram abafar e descredibilizar –  para o caso dar uma reviravolta e MP ter de actualizar para 67, dando razão à empresária. Afinal havia mesmo mais gente. Mas há mais: em directo na SIC  Júlia Pinheiro e Hernâni Carvalho, juntos a fazer a cobertura do fogo, revelavam que eram muito mais de uma centena. Veja este vídeo. Mas isto não fica por aqui. Ao consultar o site do Ministério da Saúde, nossa equipa do #NaoNosCalamos verificou o seguinte: No quadro abaixo podemos constatar um pico anormal de óbitos registados a 18 de Junho 2017. Com umas contas simples podemos verificar que se formos ao mês de Junho de 2017, e fizermos a soma dos óbitos entre dia 1 e dia 16 e seguidamente dividirmos por 16, temos a média diária.  Podemos fazer o mesmo entre o dia 24 e 31 e dividindo neste caso por 7, veremos que obtemos resultados similares. Vamos multiplicar o número que dá (260) por 7 o que dá 1820 óbitos em média por 7 dias. Agora fazemos a soma do dia 17 a 23. O resultado é 2287. A este resultado vamos retirar os 1820 óbitos de média e obtemos o número de óbitos acima da média (ver folha cálculo anexa). Estas 467 mortes serão em grande parte vítimas de Pedrogão. A este número temos que adicionar os corpos que foram encontrados à posteriori, assim como as pessoas que foram morrendo nos hospitais. Isto com base nos dados oficiais disponíveis para todos que sabemos serem escassos devido ao “blackout” forçado do INEM e funerárias.  Mas serve para reflexão.
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Mas há mais mistérios. De acordo com o  relatório da ANPC, ficamos a saber que: só às 19:55 o comando foi passado do Comandante dos Bombeiros Pedrógão Grande para o Comandante Distrital, quando a situação já estava completamente fora de controlo e várias medidas de combate e coordenação tinham sido atrasadas irrecuperavelmente;   o Plano Municipal de Emergência que  não foi accionado (e estava caducado), mais de 5h depois do primeiro alerta, de facto só o foi às 20:45;   o CODIS esteve somente 2 horas no comando, saindo para outra missão, e transitou-o para o 2º Comando Nacional, conforme explicito no relatório da ANPC;  a  partir das 22h, o 2º CONAC que assumiu funções, até às 20:50 do dia seguinte,  foi quem às 4:56 de dia 18 ordenou o 112 das salas de operações dos CDOS, a deixarem de registar no sistema informático os pedidos de socorro, sendo prejudicial para a percepção posterior na fita do tempo sobre os acontecimentos. Ou seja, mandou destruir prova.  Porquê?
Outros mistérios prendem-se com o SIRESP e os Kamov. Alguém aí no seu perfeito juízo consegue compreender porque não foi imediatamente rescindido o contrato mais absurdo e criminoso com  o sistema de comunicações que matou e feriu gravemente centenas de pessoas? Um sistema que provou falhar SEMPRE em situações de emergência, que é caríssimo, arcaico, e cujas cláusulas protege só quem o criou em vez das vítimas?? E os Kamov, essas “pérolas” do combate aos incêndios que nunca funcionaram em condições, que já antes de os adquirir eram obsoletos, cuja maioria nunca saiu do chão, virem agora usar o regulador aéreo para forçar paragem dos Kamov e justificar a compra de novos, mais três por adjudicação directa?!!! 
Ah! e o mistério dos donativos desaparecidos? Alguém sabe onde param?
Como se isto tudo já não bastasse, junta-se ainda o mistério de, depois das conclusões do Relatório Técnico Independente e denúncia de destruição de prova, o Estado não ter sido ainda constituído arguido quando já não há dúvida alguma de ser o principal culpado da tragédia.
Mistérios e mais mistérios… É o país desgraçado que temos.

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